EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA: EXPERIENCIAS E LIÇÕES DE VIDA
EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA: EXPERIENCIAS E LIÇÕES DE VIDA
Antes de tudo quero comentar como foi assistir ao filme da Michelle Obama. Eu não tinha expectativa muito alta com o filme, sabia que se tratava de uma “propaganda” para divulgar o livro, porém de repente me vi envolvida nas experiências relatadas pelas mulheres nas rodas de conversa. Impossível não se comover com relatos com os quais todas/os negras/os se identificam. Ainda mais impactante foi a conversa com as minhas amigas irmãs sobre o tema. Confesso que eu estava com preguiça de participar das 犀利士 discussões, acho que no fundo nem queria ver o filme. Assim fui pega de surpresa pelo bom humor da Michelle Obama, pelo jeito dela conduzir a conversa e pelos relatos emocionantes. Mas nada no filme foi mais rico do que nossos papos na Confraria! (não vou explicar nada sobre a Confraria, é segredo!). Vou compartilhar o que me tocou nessa experiência e contribuiu para alimentar minha alma sedenta nesses tempos de pandemia.
Começo pelas provocações que o termo educação antirracista reacende nas minhas lembranças. Meu pai me ensinando que somos negros: “temos a pele clara, mas temos os primos e tios de pele escura e no final somos todos negros”. Eu tinha treze anos de idade quando vi meu pai receber o moço do IBGE em casa, de alguma forma isso me impressionou porque foi nesse dia que perguntei se éramos negros ou mulatos. Jamais esqueci essa conversa, foi nesse momento que comecei a ter consciência de identidade racial e acho que foi minha primeira experiência de educação antirracista dentro de casa.
Décadas depois já como militante e trabalhadora da saúde, me vi diante de um texto inesquecível que utilizo até hoje quando quero discutir sobre o assunto da educação antirracista: o parecer n°03/2004 do Conselho Nacional de Educação escrito pela Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, uma educadora negra iluminada que abriu meus caminhos nessa seara da luta antirracista. Nunca me esqueci das três palavras que ela descreve que me tocaram profundamente no tempo em que eu estudava sobre a questão da educação das relações étnico raciais: reconhecimento, valorização e afirmação de direitos. O que vi no filme e as discussões nas rodas da Confraria me fizeram revisitar esse momento. São palavras fortes como:Reconhecimento implica justiça e iguais direitos sociais, civis, culturais e econômicos… e isto requer mudança nos discursos, raciocínios, lógicas, gestos, posturas, modo de tratar as pessoas negras… Reconhecer exige que se questionem relações étnico-raciais baseadas em preconceito….[1]
As nossas conversas da Confraria trouxeram a lembrança às vitórias e fracassos da luta contra o racismo da qual fazemos parte. Compartilhamos experiências e colhemos muitas lições, algumas perturbadoras por nos deixarem sem respostas. A educação é nossa ferramenta de luta e também nosso fracasso. Conquistamos uma lei antirracista há dezesseis anos e ainda estamos distantes das três palavras, reconhecimento, valorização e afirmação de direitos. Assistir ao filme, participar das conversas da confraria me revigorou para continuar a busca em direção a uma educação antirracista para além da instituição escola. Agora me sinto alimentada pelas nossas rodas, acho até que fiz as pazes com as minhas lembranças, assim reverencio o aprendizado dos nossos ancestrais de longa data.
Maria do Carmo Sales Monteiro
[1] Conselho Nacional de Educação: PARECER N.º CNE/CP 003/2004, Disponível em http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/cnecp_003.pdf