A SOWETO SAÚDA O CENTENÁRIO DE PAULO FREIRE

A SOWETO SAÚDA O CENTENÁRIO DE PAULO FREIRE

No ano da celebração do Centenário de Nascimento do educador Paulo Freire (1921-2021), a SOWETO ORGANIZAÇÃO NEGRA não poderia deixar de registrar a motivação para nos juntarmos ao ritual festivo e reflexivo do seu aniversário de nascimento para demarcar o envolvimento de Paulo Freire com a problemática racial brasileira. Assim buscamos enraizar a ação educativa e/ou metodológica da Soweto no pensamento, freiriano decolonial e o letramento popular.


O enraizamento da Soweto aos interesses educacionais vem de longe, desde o seu nascedouro homenageia e femenageia a juventude estudantil do bairro de Soweto na África do Sul, que nos anos de 1974 reivindicava melhoria na educação e foi violentamente massacrada pela polícia do Apartheid. Desde sua fundação em 1991, a Soweto atua e defende lutas que fortaleçam a educação pública gratuita, antirracista que garanta a diversidade, da creche até a pós-graduação. Desenvolve formação educativa antirracista para dialogar com estudantes e toda sociedade. Promove práticas pedagógicas referidas na lei 10639/2003, lei 11645/ 2008, nas políticas de ações afirmativas, no estatuto da igualdade racial, na metodologia decolonial, freiriana e popular.


Demarcar um perfil metodológico não é tarefa fácil, mas aprendemos trilhando a vida e a dedicação de Paulo Freire à educação. Descobrimos que Paulo Freire aprendeu muito com a África e a Soweto aprendeu com ele. Esta ideia e caminho promissor se escondiam por detrás do “mito da democracia racial” e do racismo estrutural que perdura por séculos. Esta boa ideia foi silenciada pela Ditadura Militar. Coube aos educadores e educadoras da Soweto, protagonistas de uma educação antirracista, decolonial e freiriana desbravar esse caminho e afirmá-lo em nossas práticas.


A história das andanças de Paulo Freire pela África é contada pela educadora Gal Souza, responsável por estimular a Soweto a fazer uma releitura da metodologia freiriana à luz da questão racial brasileira. Assim aproxima a luta antirracista da Soweto à metodologia freiriana.


A caminhada pedagógica de Paulo Freire também foi marcada por saberes do continente africano. Na introdução de seu livro “Cartas à Guiné – Bissau – registros de uma experiência em processo”, escrito com seu grande parceiro Sérgio Guimarães. Paulo Freire nos conta que sua primeira ida à África foi para Tanzânia e sentiu se como “se estivesse voltando”. Tal sensação se repetiu quando esteve em outros países da velha mãe África: na Guiné – Bissau, em Angola, em São Tomé e Príncipe, etc. As diversas vivências dialógicas de Paulo Freire nas Áfricas, aqui reproduzimos suas palavras: “fez perceber que eu era mais africano do que pensava”. (1978).
Os livros A África ensinando a gente (2003) e Cartas a Guiné – Bissau – registros de uma experiência em processo (1978), de Paulo Freire e Sérgio Guimarães são apoio certeiros, ferramentas inspiradoras das nossas experiências nos círculos de culturas que organizamos seguindo as trilhas do grande mestre, agora centenário.
Os Círculos de Cultura da Soweto iniciaram após um convite da coordenação estadual paulista do Programa Nacional Rede da Educação Cidadã, gestada no governo Lula, que tinha por objetivo inicial dar formação para as famílias atendidas pelos programas assistenciais.
O curso de formação intitulado “Negras e negros: resistências, identidades e opção pelo socialismo” se desdobrou em inúmeros encontros nas sedes dos coletivos que participaram da formação. Reunimos intelectuais e ativistas, organizações negras de diferentes perfis, a exemplo do terreiro de candomblé Ilê Àse Palepa Mariwo Sesu da região Sul de São Paulo, as organizações negras culturais e políticas como Oriashé, Mariama, Coletivos de Hip Hop, Círculo Palmarino, Coletivo de Esquerda Força Ativa e outros. Um público qualificadíssimo para aprofundar a necessária compreensão da realidade da luta antirracista em São Paulo.


Prosseguimos ouvindo ativistas há muito dedicados e representativos dos diversos segmentos do movimento social negro contemporâneo em uma série de encontros que chamamos de círculos de cultura em combate ao racismo e os problemas dele oriundos.


Cada círculo focou nas lutas iniciadas em 1978 com o surgimento do Movimento Negro Unificado – MNU, denunciando o genocídio da juventude negra no Brasil, passando pelas expressões artísticas e culturais, como os bailes blacks e teatro negro, culminando nas agendas de políticas públicas com a criação do Conselho de Desenvolvimento e Participação da Comunidade Negra do Estado de São Paulo (1986) e a Secretaria Especial de Promoção de Política para Igualdade Racial – SEPPIR (2003).
Aproximar o ativismo da Soweto da metodologia de Freire nos propiciou aprofundar o conhecimento sobre a realidade brasileira e nos possibilitou conhecer, perceber a África mais de perto e lá pudemos compartilhar com educadores/as nossas experiências do Brasil, o país mais negro fora de África.


Nos anos de 1990, Paulo Rafael, militante negro, educador paulista e historiador, interessado na temática da literatura africana visitou Cabo Verde e conheceu os efeitos das andanças de Paulo Freire na ilha. Na primeira década do século XXI, através do Fórum Social Mundial – FSM, a Soweto também esteve nas cidades de Nairobi, Dacar e Túnis, capitais respectivamente dos países africanos Quênia, Senegal e Tunísia e nesses momentos realizamos trocas das experiências dos círculos de cultura com participantes de diversos países interessados na luta antirracista no mundo através da educação popular.

Pisar o solo Africano pela primeira vez foi importante para desmistificar a “Mama África” e colocar no lugar a ideia do fortalecimento da diáspora negra. Afirmamos a crença “todo negro e negra da diáspora, ao menos uma vez na vida, tem o dever e o merecimento de visitar a África.” Ideia importante porque cria a oportunidade para se saber de onde veio, e, reafirmando a filosofia sankofa, descobrir novos caminhos na construção de um projeto futuro capaz de acolher povos africanos e toda sua diáspora, capaz de fortalecer dentre os objetivos e ações da Soweto o ideal e a prática de uma metodologia educativa que integre as ideias freirianas e a luta antirracista.


Axé


Salve Paulo Freire, vivo entre nós!
Salve o Centenário de Paulo Freire!
Salve a solidariedade de Paulo Freire!
Salve todos e todas aliados antirracistas!


Referência bibliográfica:
FREIRE, Paulo e GUIMARAES, Sérgio – Cartas à Guiné – Bissau – registros de uma experiência em processo. 2. Ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
__ A África ensinando a gente: Angola, Guiné – Bissau, São Tomé e Príncipe. São Paulo. Paz e Terra, 2003.

Gal Souza – Educadora e Historiadora
Gevanilda Santos – Educador aposentada, Historiadora, mestre em Ciências Sociais PUCSP, ativista da Soweto Organização Negra
Paulo Rafael da Silva – Educador, Escritor, Historiador, ativista da Soweto Organização Negra

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