
Movimento negro brasileiro é tema de exposição em Universidade Americana
Com base nas coleções da Soweto Organização Negra (SP) e no acervo coleção pessoal de Reginaldo Bispo, militante negro do movimento negro há mais de quatro décadas, está sendo apresentada a exposição Fighting racism! 40 years of Memory in Afro Brazilian Posters é o título da exposição baseada em cartazes que marcam as principais lutas e eventos do movimento negro brasileiro, desde 1982, entre 6 de abril e 10 de maio, na Universidade da Pensilvânia, situada na Filadélfia.
Graças aos esforços os ativistas que reuniram estes materiais e os guardaram em condições adversas é possível fazer esta memória circular por mais lugares e mais pessoas conhecerem esta história. O acervo da Soweto da Organização Negra jazia em sua sede na região central da cidade de São Paulo. Um prédio alugado há quase 20 anos onde os militantes se reúnem para fazer suas reuniões e atividades. O seu material arquivístico ocupava parte significante de seu espaço físico, junto com mesas, cadeiras, uma biblioteca etc. Os cartazes, relatórios, panfletos, oficios etc., foram reunidos graças ao cuidado e atenção de seus militantes com a produção gráfica e de conhecimento do movimento negro do Brasil e do mundo. Contudo, não havia ali as condições estruturais adequadas para a preservação do material.
Algo parecido ocorreu com o Acervo de o Sr. Reginaldo Bispo, da cidade de Campinas-São Paulo. Sua coleção é resultado de mais de 40 anos de militância em variados espacos, como sindicais, partidários, associações locais e organizações nacionais do movimento negro. Por onde passou ele escreveu muito, e cuidou de recolher tudo o que lhe parecia importante. Em sua residência, ele guardava um armário lotado de documentos, de quatro décadas e de centenas de organizações negras. Em sua garagem, havia mais algumas caixas de papelão com mais documentos. Embora os materiais guardados dentro de casa estivessem melhor acondicionados, os da garagem já passaram até por enchentes. Apesar dos percalços, é inegável o esforço que Bispo fez para preservar seu material, sua própria história e a história dos processos políticos pelos quais participou.
Esta exposição, apresentada pelo Prof. Paulo Ramos, foi fruto de uma parceria entre duas equipes de pesquisadores, uma no Brasil e outra nos Estados Unidos. O Projeto Populações Marginalizadas dirigido pelo Dr. Michael G. Hanchard, com apoio da bolsa Making a Difference in Diverse Communities fornecida pela Universidade da Pensilvânia, desenvolvido em parceria com o AFRO-CEBRAP em São Paulo, Brasil liderado pela Prof. Marcia Lima. Estas duas instituições, soma-se também o Arquivo Edgard Leuenroth, da Universidade Estadual de Campinas. O objetivo deste projeto é a catalogação, digitalização, preservação e disponibilização de acervos públicos no Brasil e nos Estados Unidos. Instalada no 2º Andar do McNeil Building, a exposição tem a co-curadoria de Ana Grabriela Jimenez, do Centro de Estudos Latino Americanos e Latinx, ligada, assim como Paulo Ramos, ao Projeto Dispossession in the Americas, dirigido pela Prof. Tulia Faletti.
A exposição retrata com fidelidade atores e momento importantes para o chamado movimento negro brasileiro contemporâneo, e sua luta pela vida, pela herança africana e por terras. Para compô-la, foi preciso selecionar os principais temas presentes no protesto negro, reconhecer os principais frames e palavras de ordem, e fazer uma mediação entre o que interessa ao movimento e o que é indispensável levar ao público internacional da Universidade da Pensilvânia.
Assim, temos um mosaico com as principais referências do antirracismo brasileiro, a história e a simbologia da história: do Quilombo dos Palmares, a sombra e a luz de seu último líder, Zumbi dos Palmares, a interpretação que o movimento negro faz do processo de abolição da escravidao. Está marcado a contribuição que os negros deram para a construção do principal partido da história recente do Brasil, e a luta que os negros empreenderam para serem reconhecidos no processo de redemocratização (1985-1989).
Muitas organizações negras possuem uma presença nacional, com pólos locais. Contudo, foi necessário, contemplar as diferente regiões, uma vez que o Brasil possui dimensão continental. A negritude do rico e poderoso Sudeste não pode ser reproduzida a regiões menos populosas, mais pobres, e mais negras também.
São muitas as cores dos movimentos negros brasileiros, mas muitas vezes, os recursos escassos não permitiram impressões coloridas e multidimensionais. Os cartazes monocromáticos não perderam sua expressão, contudo. Eles são símbolos de como os movimentos tecem suas histórias lançando mão dos recursos disponíveis, fazendo as escolhas que melhor servem aos seus interesses e objetivos. Com o passar dos anos, nota-se que as cores vão emergindo quase que à mesma medida que as parcerias começam a acontecer com sindicatos, ONGs, fundações privadas e governos. Contudo, o uso da preto e branco volta quando se quer exprimir sentimentos em que a celebração não justifica a alegria e festividade que as cores ensejam, como a violência e a morte.
Com o passar dos anos, mesmo os cartazes que utilizaram a opção monocromática ganham as cores do tempo, com pequenas manchas amareladas, marcas de dobras, rasgos etc. Isso reflete as condições de preservação desses acervos, que circulam entre sedes de organizações negras e casas de militantes.