Mulheres na Gestão da Soweto

Mulheres na Gestão da Soweto

Março 13, 2023 Comentários fechados em Mulheres na Gestão da Soweto By Soweto*#%!

A SOWETO ORGANIZAÇÃO NEGRA, entidade civil do movimento negro paulista, tem mantido a presença de mulheres na sua organização institucional, numa perspectiva de paridade entre gêneros, mesmo antes da sua fundação. No acervo da organização há material produzido em 1991, pelo Núcleo de Mulheres Negras, abordando pautas históricas dos movimentos de mulheres e apontando a tríplice exploração das mulheres negras como princípio organizativo. Nas décadas seguintes e até o presente momento, estudantes, pesquisadoras, trabalhadoras, ativistas mulheres e homens, vem debatendo o enfrentamento do racismo e do machismo nos espaços institucionais e nos movimentos sociais.

Assim, reconhecemos o protagonismo desta organização em reunir mulheres ativistas e colaboradoras na estrutura administrativa e funcional da Soweto, em contribuição à garantia de representatividade e equidade de gêneros, uma pauta muito cara e histórica do movimento de mulheres que ainda hoje requer esforços coletivos para a sua concretização no país.

A participação da mulherada na direção institucional da Soweto Organização Negra: de 1991 a 2023, por Gevanilda Santos

Para quem não me conhece eu me apresento a vocês: sou Gevanilda Santos… uma professora de história e gosto muito de interagir com público que busca transformações, liberdades e igualdade de direitos. Eu também estou nessa luta.

Não me considero uma narcisista digital. Não sou afeita aos métodos de interação da sociedade da informação, prefiro textos aos áudios. Estou aprendendo a utilizar a linguagem virtual. Vamos lá…

Quero deixar registrado neste breve relato biográfico os momentos que me trouxeram até aqui e me fizeram uma cidadã negra brasileira e feliz. Lembro o leitor e a leitora que costumo entrelaçar o contexto histórico as vivências pessoais para evitar o anacronismo, porém fortalecer a decolonidade.

Nos 32 anos de vida e luta da SOWETO ORGANIZAÇÃO NEGRA, a atual presidenta, Alva Helena de Almeida, convida a colaborarmos com o projeto “A participação da mulherada na direção institucional da Soweto Organização Negra: de 1991 a 2023″ na perspectiva de femenagear a mulherada que participou e colaborou com a construção da vida institucional da organização.

Eu participei em quase todo período. Sou fundadora da Soweto e participante da organização antecessora e originária chamada GRUPO NEGRO DA PUC. Na atualidade não represento mais a vida institucional da Soweto, mesmo distante continuo uma ativista e colaboradora.

As mulheres negras atuantes nos quase 32 anos de vida institucional da Soweto serão femenageadas. Eu prefiro falar de femenagem, a palavra não está no dicionário. Deve ser caracterizada como neologismo. É uma palavra nova, uma forma linguística feminina de referir-se ao reconhecimento da luta e conquista da mulherada. [1] A questão de gênero na Soweto contou com mulheres engajadas na luta de combate ao racismo, ao machismo e a pobreza, e, outras nem tanto engajadas motivadas por diferentes razões. De qualquer forma a atual presidenta da Soweto reuniu a mulherada neste 08 de março de 2023. Gratidão.

Na nossa história tem quem trilha coletivamente a construção da organização e tem história de quem não está mais entre nós como a presidenta Maria José Pereira dos Santos que nos deixou. Foi para o Orum em 2013.

A mulherada femenageada se conheceu no GRUPO NEGRO DA PUC e depois continuou na Soweto.

Ao longo dos anos vivenciamos encontros de irmandade negra – juvenil, interação feminina e familiar. Os encontros fortaleceram o ativismo e a identidade feminina, no batuque, na cozinha, na universidade e na vida. Os encontros trouxeram reflexão a mulherada negra e popular e fortaleceram vínculos identitários como ser uma “comadre”.

Sou filha de nordestinos migrantes. Majo também era. A trajetória educacional foi semelhante, apesar dos detalhes da vida de cada uma.

O ingresso no ensino fundamental foi na escola pública, mas a universidade foi concluída no ensino privado. Fomos estudantes trabalhadoras.

No ranking da escolaridade das famílias negras não fugimos a regra geral, as mulheres negras foram as únicas a concluir o nível da graduação e/ou pós-graduação.

Na minha trajetória educacional conclui o mestrado e esta opção foi influenciada por outras ativistas pesquisadoras negras, como a baiana e antropóloga Maria de Lourdes Siqueira e a paulista e socióloga Maria Hercília Nascimento. Muitos professores antirracistas e defensores dos direitos humanos colaboraram na trajetória, tais como o professor Mauricio Tragtemberg, Neuza Gusmão, kabenguele Munanga, Octavio Ianni e Miguel Chaia dentre outros. Cada um a seu modo nos ensinou a compreender as delicias e atrocidades da negritude e o mundo negro no Brasil.

A universidade para além da escolarização foi o território onde fortalecemos os laços do ativismo contra o racismo. Lugar onde aprendemos a valorizar a luta social, a fazer a leitura do mundo e compreender as atrocidades da ideologia do mito da democracia racial que naturaliza a violência policial, o etnocentrismo, o machismo, a pobreza da população negra e a desigualdades social em todas áreas da vida.

Lado a lado das inúmeras organizações negras da época, pessoas e personalidades negras, ativistas, a sabedoria dos mais velhos, dos intelectuais e dos ancestrais nos transformamos em ativista da luta de combate ao racismo no interior do “GRUPO NEGRO DA PUC” e posteriormente na “SOWETO”.

Logo no início da vida institucional da Soweto aprendi a reconhecer a participação da mulherada na vida pública, com duas mulheres valorosas e guerreiras: Matilde Ribeiro, assistente social e Dra. em Serviço Social. Ela nos legou as primeiras lições das relações de gênero. E deu os seus primeiros passos na diretoria da Soweto, e, chegou à ministra da promoção da igualdade racial do primeiro Governo LULA. A Maria do Carmo Monteiro, amiga da juventude estudantil, do Grupo Negro da Puc, enfermeira e se especializou técnica e ativista da área da saúde da população negra.

A participação de Rosangela Ferreira C. Borges na história da Soweto está registrada no Informativo assinado e coordenado por ela. A jornalista e professora Dra. da área da Comunicação Social emprestou e dedicou seu saber, tempo e a habilitação profissional e jornalística ao primeiro informativo da Soweto.

Além do relato da autora e das mulheres já aludidas quero destacar a amizade, solidariedade, participação voluntaria e colaboração de outras mulheres na trajetória institucional.

 Isolina Rosa, jornalista, amiga e profissional da área da comunicação, e , por muitas gestões foi a nossa eterna vice presidenta e não deu golpe político em nenhuma presidenta ou presidente da Soweto. Continuou e continua colaborando com a construção da Soweto.

A Glauciana A. Souza, a nossa amiga Gal e historiadora, integrou a Soweto e participou da diretoria por vários anos, mulher das mais variadas articulações. Coordenou atividades sobre a concepção freiriana agregada a educação etnorracial até a luta de Libertação da Palestina e muito nos ensinou.

A atuação privilegiada nos bastidores, de Suelma Inês Alves de Deus, assistente social mestre em gerontologia, é atual vice presidenta. Amiga de toda hora e sempre a disposição da luta negra na Soweto e nas diferentes frentes de onde atua. Compartilhou com a Soweto suas amizades e lutas, a exemplo de Obama P. Ngandue Hortense Mbuyi, africano e africana, refugiados congoleses da República Democrática do Congo com os quais vivenciamos atividades eivadas de alegria, dores e reivindicações.

Tenho guardado na memória afetiva do ativismo na Soweto ou acadêmico, uma imensidão de participações e parcerias femininas e feministas. Compõe um vasto aprendizado, ora despontando nas relações raciais, ora despontando no combate à pobreza, ora despontando nas relações de gênero[2]

Resta a Soweto articular e avançar na chamada interseccionalidade de raça, gênero e classe. As dicas anunciadas por Patrícia Hill, Ângela Guillim, Ângela Davis, Lelia Gonzalez, Sonia Leite, Leni Blue de Oliveira, Magali Mendes e tantas outras mulheres guerreiras e parceiras das relações de raça, gênero e classe, com as quais a aprendizagem foi imensa.

No ativismo, no bate papo, nas fofocas, nas leituras, conflitos, disputas e apreços vivenciamos muita alegria, felicidade, dor, tristeza, sabedoria e sentido organizativo das mulheres negras brasileiras.

Agora é a vez da juventude que nos traz novos saberes e sentido organizativo- contemporâneos como o afeto e conhecimento de Priscila B. Franco, atual secretária da Soweto. Oxalá sua participação rompa as dificuldades impostas por governos conservadores e o desânimo juvenil que tanto impregna a juventude no Sudeste. Esperamos que a SOWETO possa semear, inspirar e comprometer todos e todas com novas ações e histórias feministas. Legar as novas gerações a história não contada.

Salve a mulherada negra brasileira!

Salve o 08 de março – Dia Internacional da Mulher!

Salve o 31 de julho – Dia da Mulher Africana!


[1] A palavra femenagem, ouvi pela primeira vez em um seminário das Promotoras Legais – PLPs de Campinas, cidade do interior de SP, no final do século passado. Participei do seminário organizado por PLPs “Cida da Terra” a convite de Magali Mendes e Amelinha. Concordei com o sentido da proposta e passei a fortalecer a divulgação da nova palavra e significado feminino nas atividades de celebração e prestigio da mulherada.

[2] Sou de uma época em que aprendi valorizar o ativismo recortado por afetividade. Concordo com bell Hook, a intelectual negra do Sul dos EUA, inspiradora da arte de escrever, para quem a pesquisa, o estudo das relações raciais é um ato contra hegemônico, uma resistência ao racismo e ao sexismo, e principalmente, para quem a luta por igualdade é dever de todos. Ver HOOK, Bel – Ensinado a transgredir: a educação como pratica da liberdade, SP, FSP, 2021, págs. 19 a 27.

Comments are closed