
Ennio: um lutador!
O Projeto Acervo, Memória e Identidade Afro-Brasileiro é parte de um esforço da SOWETO Organização Negra em apresentar ao Brasil do Século XXI a memória da resistência e luta iniciada por uma geração de ativistas, principalmente na segunda metade do século passado, que empunhando a bandeira da luta de combate ao racismo, se propôs a desmistificar a farsa da democracia racial existente no país.
Foi com este propósito que no ano de 2020 em uma parceria com a Edições SESC e a Fundação Perseu Abramo, publicamos o livro Movimento Negro Unificado – a resistência nas ruas.

Este livro retrata, por meio de fotos, testemunhos, manifestos e artigos, a história da luta de mulheres e homens negros brasileiros que tiveram no Movimento Negro Unificado (MNU) uma das principais frentes organizadas contra o racismo e a segregação sócio racial.
Foi na produção desse livro que conhecemos o brilhante ativista e fotógrafo Ennio Brauns. Foi dele a proposição para que esse livro fosse concretizado e juntamente com a companheira Gevanilda Santos, da SOWETO Organização Negra e José Adão de Oliveira, do MNU-Movimento Negro Unificado, contribuiu na sua organização.
Ennio, um amigo e irmão de luta, partiu para o Orun no dia 24 de junho desse ano. Prestamos aqui nossa homenagem a um companheiro que veio para esse mundo para lutar!
Ennio Brauns, por ele mesmo!

(Texto extraído da página 206 do livro Movimento Negro Unificado – a resistência nas ruas)
Os negros estão na minha vida desde sempre.
Filho de comunista, aprendi desde bem cedo a não ver na cor da pele uma diferença que determine princípios ou preconceitos. Ao escolher uma profissão, me tornei mais um daquela geração de fotógrafos jornalistas que no final dos anos 1970 ia para a rua para trabalhar e para expressar um olhar político sobre as coisas que víamos. Era proibido informar e, por isso mesmo, era o que precisava ser feito.
E aqui, naquela época, tinha muito pra ver e pra falar quando o interesse era a pulsação política que dominava os movimentos populares e sindicais. Aqui, na São Paulo de Maluf e no Brasil de Geisel, com a minha fotografia, e aprendia fazendo.
Em meados de 1978, um grupo de jovens negros, conscientes de décadas de história de lutas contra o racismo e a violência policial, procura dar forma mais unitária ao confronto do tratamento vil e brutal que o estado ditatorial racista nos impunha a todos.
Foi assim em 7 de julho, na porta do Teatro Municipal, que os negros de São Paulo mostraram que o buraco era mais embaixo e o Movimento Negro Unificado era uma realidade que não dava para esconder. Dali pra frente, muito mais gente não pôde mais se furtar à realidade, e muita fotografia registrou essa história de lutas e vitórias.
Para finalizar, minha relação histórica como Movimento Negro passa também por essa seleção de imagens que acredito resgatar, também, parte de uma narrativa da luta dura e vitoriosa que ainda falta completar.
A palavra de um amigo (*)
Ennio Brauns, fotógrafo e camarada, partiu hoje à tarde. Foi encontrar Alípio Freire, falar de política e arte, rir e debochar da vida.
E nós ficamos aqui, numa tristeza danada.
Nos últimos tempos, há pelo menos um ano, estávamos juntos no coletivo formado para a criação do Instituto Estação Paraíso.
Ontem, dia 23 de junho, sofreu um infarto poucas horas antes do lançamento da segunda edição do livro que batizou o instituto. Infelizmente não participou da atividade que reuniu a professora Walnice Nogueira Galvão, Edilson Moura, Jonathan Constantino e muita gente boa na histórica Maria Antônia, em São Paulo.
Lá, ontem, não pode assistir ao lançamento do site em homenagem ao Alípio e nosso Instituto. Ele nos ajudou a reunir conteúdos, contatou amigos e amigas em torno do projeto virtual.
Hoje, dia 24, ainda hospitalizado Ennio sofreu outros dois infartos e não resistiu, partiu. Encantado, agora deve mirar suas lentes de outro ângulo.
Ennio Brauns participou ativamente, na Fundação Perseu Abramo, da organização dos livros “Máquinas Paradas, Fotógrafos em Ação” (2017), junto de Adilson Ruiz, e “Movimento Negro Unificado – a resistência nas ruas” (2020), junto de Gevanilda Gomes dos Santos e José Adão de Oliveira, uma parceria da Fundação Perseu Abramo com a Soweto Organização Negra e as Edições Sesc-SP.
Além destes livros, Ennio colaborou com outras publicações da FPA. Parte de seu acervo fotográfico está disponível no Centro Sérgio Buarque de Holanda (CSBH).
Obrigado, camarada Ennio, pela companhia e dedicação aos registros fotográficos de tantos momentos históricos das lutas populares.
Que Luzia Cardoso, a companheira de Ennio, e familiares recebam nosso abraço solidário e fraterno. Luto é luta.
(*) Rogério Chaves, Coordenador da Editora da Fundação Perseu Abramo, 24 de junho de 2023.