
Solidariedade a Ngange Mbaye
Solidariedade a Ngange Mbaye e a toda comunidade senegalesa
No dia 11 de Abril, a Polícia Militar do Estado de São Paulo assassinou, a sangue frio e em plena luz do dia, o trabalhador ambulante senegalês Ngange Mbaye no centro de São Paulo, quando este tentava proteger a mercadoria de seu companheiro de trabalho de uma apreensão e da violência empreendida pelos policiais no momento da abordagem. As imagens do ocorrido, amplamente divulgadas e compartilhadas nas redes sociais, mostram Ngange cercado por oito policiais militares, todos de cassetete em punho e arma de fogo na cintura, enquanto este empunhava uma barra de ferro em tentativa de afastar os policiais. Nesse momento, um dos militares saca sua arma de fogo e dispara no peito de Ngange, tiro esse que será fatal.
É essa a mesma PM de São Paulo que vem travando uma desocupação brutal contra as famílias da Favela do Moinho, que relatam abusos constantes que vão de invasões em suas residências, vigilância constante de moradores e chega ao uso de violência desproporcional e brutalidade na repressão daqueles que se manifestam contra a desapropriação.
É essa mesma PM de São Paulo que, ainda no mês de Abril, divulga um video de um de seus batalhões queimando uma cruz, espelhando a organização supremacista branca norte-americana Ku Klux Klan, e fazendo saudações romanas, tal qual fazem os nazistas de ontem e de hoje.
Em nota, o Comandante do Batalhão que divulgou o vídeo nega qualquer associação, mesmo que estas sejam nítidas, com os movimentos supremacistas. Mas não é preciso confirmação: as ações da PM, da Prefeitura e do Estado de São Paulo demonstram seu projeto eugenista e de ataque frontal a população negra, imigrante e trabalhadora do seu próprio estado.
Hoje, na África e na diáspora, os africanos e descendentes clamam por uma África unificada, livre e pelo fim do tratamento injusto dado a eles. Os que vem para cá almejam, em sua maioria a busca por melhoria de condições econômicas, porém questões como idioma podem ser obstáculos na luta por emprego formal. Então, como boa parte da população afro-brasileira e dos imigrantes em situação similar, encontram melhor oportunidade no mercado informal e no empreendedorismo popular, como era o caso de Ngange Mbaye. Já não é novidade também para os ambulantes e camelôs os maus tratos dado pela polícia a estes, sejam brasileiros ou não, simplesmente por tentar ganhar a vida. Na condição de trabalhador ambulante, negro e imigrante, Ngange foi vítima direta desse processo violento de manutenção do racismo e da supremacia branca no Estado de São Paulo.
A Soweto Organização Negra se soma as vozes dos companheiros, compatriotas e familiares de Ngange Mbaye que pedem por justiça para ele e todos aqueles que sofrem dos abusos das forças ditas de segurança pública, sejam elas da Prefeitura ou do Estado, exigimos esclarecimentos e punições devidas aos assassinos e cúmplices.

O Legado de Flávio Jorge
O Legado de Flávio Jorge – nenhum ativista ou liderança negra poderá ficar isolado
Maria Palmira da Silva – Doutora em Psicologia Social; Professora de ensino superior.
Este texto expõe a breve fala de Flávio Jorge Rodrigues da Silva no Seminário “Combate ao racismo e as transformações no mercado de trabalho”, realizado entre os dias 02 e 29 de setembro de 2023, no auditório da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. A programação do evento foi extenso, conforme demonstra o sumário deste documento. Flávio Jorge esteve presente no último dia do seminário para prestigiar a mesa 4 – Juventude e combate ao racismo. Seu breve relato durante a participação no Seminário tocou em acontecimentos de sua vida, buscando resgatar os fundamentos que orientaram a juventude do seu tempo no engajamento da luta contra o racismo no Brasil.
É válido lembrar que o Seminário só foi levado adiante porque houve uma articulação entre vários parceiros institucionais no processo de sua realização.
Entre eles, a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP, o gabinete do vereador Hélio Rodrigues (PT), a presidência do Sindicato dos Químicos de São Paulo, a Ocupação Cultural Jeholu e a Coordenação Nacional de Entidades Negras – CONEN.
Enfim, o ensaio aqui proposto recupera fragmentos dos primeiros acontecimentos que, de meu ponto de vista, alicerçam os princípios que sustentam o edifício do antirracismo na nossa sociedade.
O ativismo negro da década de 1970.
No final do século XX, mais especificamente, entre as décadas de 1970 e meados de 1980, quando as manifestações políticas estavam proibidas no Brasil, devido ao regime da ditadura militar, o movimento negro, paradoxalmente, conquista visibilidade e relevância política no cenário social. Essa visibilidade e relevância política tiveram um custo bastante elevado para algumas pessoas. Muitos ativistas envolvidos nas lutas sociais pela conquista de direitos civis e políticos acabaram presos, torturados ou até mortos pelo regime militar.
Flávio Jorge, foi protagonista e testemunha ocular destes acontecimentos. Viveu intensamente cada episódio desse processo histórico. Ao comentar sobre a repressão política da época, ele relembra:
Em 1977 (…) fui preso durante a invasão na PUC-SP. Eu tinha 24 anos, e fui considerado o estudante mais perigoso do Brasil. (…) Não sabia por que estava sendo enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Mas, a polícia achava que eu era perigoso (…). Era 1977.
Assim como tantos outros brasileiros, Flavio Jorge entrou para os anais da história sobre a ditadura militar brasileira categorizado como pessoa perigosa. Naquele contexto, ser classificado como “o estudante mais perigoso do Brasil”, servia de indicativo para que os órgãos de repressão pudessem fichar e perseguir individual ou coletivamente todos os críticos do governo militar. Flávio Jorge, como tantos outros ativistas políticos da época, entrou para a lista de pessoas monitoradas pelos órgãos de repressão política. Sendo classificado como ativista de esquerda, tornou-se urgente para o regime enquadrá-lo na Lei de Segurança Nacional.
Muitos estudos sobre a ditadura militar no Brasil revelam que o regime se manteve no poder durante duas décadas, cerceando a liberdade dos indivíduos. Esse cerceamento incluía qualquer manifestação política contrária à ditadura civil-militar brasileira. Todas as expressões políticas do campo da esquerda estavam proibidas.
Por isso, muitos estudantes universitários foram presos e enquadrados na Lei de Segurança Nacional. No entanto, a determinação política da juventude de esquerda da época contribuiu para o processo de restabelecimento da democracia no país e, principalmente, para superar o mito da democracia racial, inaugurando um novo ciclo na luta pelos direitos da população negra na nossa sociedade. Flávio Jorge relembra a efervescência do processo de reorganização dos movimentos sociais da época:
Na época, eu tinha 24 anos e não fazia parte do movimento negro. Mas fazia parte de uma organização; depois eu fui saber que o Rafael Pinto, que é meu vizinho hoje, também fazia parte dessa organização que se chamava Liga Operária. E essa liga Operária foi parte do núcleo que organizou o Movimento Negro.
A Liga Operária foi uma organização operária socialista e trotskista brasileira, que permaneceu ativa durante seis anos. Ou seja, sua longevidade vai de 1972, ano de sua fundação e se estende até 1978, quando encerra suas atividades.
Entretanto, gostamos de salientar que se a organização desapareceu o mesmo não aconteceu com muitos ativistas, que aguardam novas oportunidades para agir coletivamente.
É o que veremos a seguir.
Surgem novos desafios para a juventude negra
Como se sabe, a Liga Operária foi uma organização de inspiração trotskista brasileira e desempenhou um papel importante tanto no movimento operário como no movimento estudantil dos anos 1970. Além disso, a Liga Operária teve um papel de destaque na formação da Convergência Socialista e do Partido dos Trabalhadores. Seus membros desempenharam um papel de vanguarda no processo de formação e organização da juventude socialista, de onde surgiram os idealizadores do Movimento Negro Unificado (MNU). Sobre esse aspecto, Flávio Jorge complementa:
(…) depois, em 1978, eu estive nas escadarias do Teatro Municipal, mas como um participante. As lideranças eram outras que criaram o MNU.
Na liga Operária tinha um núcleo de militantes negros: Rafael
Pinto, Milton Barbosa ou Miltão, Hamilton Cardoso, Fátima Barbosa, Leni de Oliveira, Astrogildo Bernardino Esteves Filho e vários outros (…) – eles projetaram a ideia do movimento negro, de criação do Movimento Negro Unificado. Tinha outro nome – Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR) – em 1978.
Não é nosso propósito debater todos os aspectos que norteiam a fundação do MN[1], tampouco discutir detalhadamente a histórica manifestação na escadaria do Teatro Municipal de São Paulo, que guarda imagens da época em que jovens negros carregam cartazes, denunciando a falaciosa democracia racial brasileira. Por exemplo, ‘abaixo o racismo’, ‘negro é gente’, ‘abaixo 500 anos de opressão’ e tantos outros. Essas palavras de ordem chamavam a atenção da juventude negra da época.
A despeito do cenário de repressão política, o protesto público organizado pelo MNU serviu como método para atrair e reter novas lideranças para o movimento negro.
Flávio Jorge fala do convite que recebeu para ingressar no MNU.
Eu entrei no movimento negro através de um companheiro chamado Astrogildo Bernardino Esteves Filho. Ele chegou para mim e falou o seguinte: ‘Flavinho até quando você vai perder seu tempo (…)? Você tem um potencial de militância muito grande; nós temos hoje a Liga Operário; nós lançamos agora em 1978 o MNU. Nós queremos que você esteja com a gente. (…) ou você está com a gente ou você vai ficar isolado.’ Foi esse os termos da conversa (…).
As qualidades para se desenvolver como liderança política foram destacadas já nos anos 1970: ‘Você tem um potencial de militância muito grande
(…), nós queremos que você esteja conosco.’ Como agente formador de novas lideranças políticas para atuar nas lutas políticas dos movimentos sociais e de combate ao racismo, a Liga Operária soube escolher o perfil dos ingressantes nas organizações de esquerda da época. É nesse processo que Flávio Jorge foi recrutado como liderança política emergente. “Ou você está com a gente ou você vai ficar isolado”, mas ao longo da vida, os papéis políticos foram se acumulando e o isolamento talvez tenha sido um presságio do passado. Conforme resume o Instituto Lula, pode-se dizer que na sua jornada, Flavio Jorge tornou-se um dos maiores líderes do movimento negro; o Instituto Lula faz um bom resumo das atividades desenvolvidas por essa liderança inigualável do movimento negro:
- “Articulador da Soweto Organização Negra na cidade de São Paulo e da Executiva da Coordenação Nacional de Entidades Negras – CONEN;
- Secretário nacional de combate ao racismo do PT (1995 a 1999).
- Um dos principais articuladores do 1º Encontro Nacional de Entidades Negras – ENEN e também da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).
- Membro organizador da Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, realizada em 20 de novembro de 1993, que reúne mais de 20 mil pessoas em Brasília.
- Articulador da criação da Secretaria Nacional de Combate ao Racismo do PT, da qual foi secretário de 1995 a 1999.
- Em 2003, um marco para o movimento negro, com a criação da SEPPIR. Flávio Jorge, junto à Soweto e à CONEN, tem importante participação na fundação da secretaria”.[2]
Essas realizações transformaram Flávio Jorge em uma liderança negra brasileira inigualável. Ele conquistou destaque político no auge da juventude e manteve-se fiel à agenda política da esquerda ao longo de toda sua vida. Em 1957, o jornal The New York Post publicou um artigo de Martin Luther King[3] que nos ajuda a compreender os efeitos da fama juvenil quando se trata de liderança política. Ou seja, quando você adquire notoriedade política na juventude, as expectativas em relação a você são elevadas. Esses acontecimentos, como o de “articulador da criação da Secretaria Nacional de Combate ao Racismo do PT, da qual foi secretário de 1995 a 1999”, contribuem para a renovação dos princípios que orientam a luta pelos direitos da população negra na superação do racismo.
No entanto, tudo isso impõe novos desafios para as lideranças do movimento negro, à medida que buscam unidade na luta.
Uma mensagem para a juventude negra
Como mencionado no início deste texto, o encerramento do Seminário “Combate ao racismo e as transformações no mercado de trabalho” foi um evento inesquecível, especialmente para aqueles que acompanham a trajetória de luta do movimento negro. Na breve intervenção dirigida aos palestrantes e ouvintes da mesa “Juventude e combate ao racismo”, Flávio Jorge proferiu palavras cheias de esperança para a juventude negra.
Ele relembrou a opressão que enfrentou durante os tempos da ditadura militar, destacando como sua trajetória política se entrelaçou com o presente na busca pelos direitos de cidadania. Além disso, Flávio Jorge compartilhou as decisões que tomou para fortalecer a luta e a resistência contra o racismo no Brasil:
Eu acho que esta mesa representa um pouco do futuro, do que podemos fazer com o movimento negro e o papel da juventude. Em 1978 não havia uma juventude negra distinta, porque a maioria do movimento negro era composta por jovens. A média de idade naquela época era entre 25 e 40 anos, no máximo. A Juventude negra de 1978-1980 foi a mais importante dos últimos 40 anos, (…) porque ela não apenas analisava o quadro de desgraça e morte da juventude, mas pensava no futuro.
A juventude que hoje se beneficia das políticas de promoção da igualdade racial, como cotas no ensino superior, mesmo que não tenha desenvolvido essa consciência política, carrega consigo a força ancestral que forjou com dignidade a trajetória política da juventude da década de 1970.
(…) hoje nós temos uma nova realidade (…)por conta das políticas de cotas; nós nunca tivemos uma Juventude tão qualificada como a gente tem hoje. Quantos jovens entram nas universidades! (…) São mais de dois, (…) dois milhões é coisa (…) Se você pensar que a minha geração, a do Rafael Pinto, é a (…) geração sem cotas, era bancada pelo pai de alguém para que a gente estudasse e você hoje tem dois milhões de jovens que entraram na universidade; a gente tem uma perspectiva de futuro muito grande (…) a realidade está nos mostrando que a gente tem condição de ter um futuro da Juventude brasileira diferente daquela que nós tínhamos quando a gente fundou o movimento Unificado. É só isso que eu queria falar uma fala mais de futuro. (…) Eu quis fazer uma fala mais de perspectiva de futuro.
Após essas considerações, Flávio Jorge encerrou sua mensagem com uma perspectiva de futuro para a juventude negra. Oito meses após sua participação no seminário, ele faleceu vítima de um câncer contra o qual lutava havia anos.
Hoje ele é mais uma estrela que brilha na constelação da história das lideranças negras. Que a memória de suas realizações seja um farol que nos guie para um mundo sem racismo, mais justo e igualitário.
Bibliografia
BRASIL. SEPPIR – Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Brasília-DF, 2005.
BRAUS. E., SANTOS, G.; OLIVEIRA, J.A. Movimento negro unificado – a resistência nas ruas. Edições SESC & Fundação Perseu Abramo. São Paulo. 2020.
CARSON. C. Eu tenho um sonho – a autobiografia de Martin Luther King. Bizâncio. Lisboa, 2003.
SANTOS, G. SILVA, M. P. da. (org.). Racismo no Brasil: percepções da discriminação racial e do preconceito no século XXI. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005.
SILVA, M, P. da. O Antirracismo no Brasil: Considerações sobre o estatuto social baseado na consciência racial. Revista Psicologia Política. São Paulo. V. 1. N. 1. p. 37-65. jan./jun. 2001.
[1] Sobre o assunto consulte: BRAUS, E; SANTOS, G; OLIVEIRA (ORG.). Movimento negro unificado – resistência nas ruas. Edições SESC & Fundação Perseu Abramo. São Paulo. 2020.
[2] Para maiores informações vide: https://institutolula.org/noticias/noticias/brasil-perde-um-deseus-maiores-lideres-do-movimento-negro-flavio-jorge
[3] Se você deseja saber sobre o tema veja De Clayborne Carson (org), “eu tenho um sonho – a autobiografia de Martin Luther King. A referência completa está na bibliografia.

Breve reflexão do feminismo e os conflitos de raça e classe
por GAL SOUZA e GEVANIDA SANTOS (*)
No mês de março a Soweto Organização Negra entra no debate da luta internacional pelos direitos das mulheres, por entender que os conflitos de gênero são cotidianos e devam ser debatidos até que se constituam um fenômeno social amplo, tragam novas reflexões e processos educativos mais avançados. A perspectiva é refletir sobre as relações de gênero de forma permanente e interseccional na Soweto e fazer formação para aprofundar o tema criando possibilidades de diálogos e transformações nas práticas de seus militantes, homens e mulheres.
No processo de formação de gênero estamos nos primeiros passos: debater os conflitos de modo a constituir o problema e fortalecer sua dimensão social. Ao mergulhar nessa situação enfrentam-se os seus aspectos positivos e os negativos. Nesse ritmo os indivíduos e a sociedade aprendem a superar os comportamentos decorrentes do patriarcado ou patriarcalismo. [1]
E qual é o lugar da mulher e do homem negro e suas organizações sociais na desconstrução do patriarcado?
No mês de março a lembrança do Dia Internacional da Mulher, a SOWETO, traz a sua pratica de gênero e realizações;
- Na década passada esteve junto a Articulação Popular e Sindical de mulheres negras do interior e capital de São Paulo e construíram o premio Palmas para nossas Guerreiras.
- Apoiou o principio da Coordenação Nacional das Entidade Negras – CONEN de participação paritária dos gêneros nas atividades / eventos do movimento negro.
- Na década atual realizou eventos, construiu parcerias e editou publicação online fortalecendo a mulherada institucional. O cotidiano da organização mista, com participação de homens e mulheres negras, têm atuado para superar conflitos gênero, raça e classe. Por entender que as desigualdades não são naturais. Elas foram engendradas no sistema capitalista para explorar e oprimir entre tantas pessoas, também os negros e as negras.
A violência…
A violência doméstica surgiu, no ocidente, na vida privada, nas relações interpessoais, na família autoritária, onde há maus tratos a mulher e filhos e até mesmo a pedofilia, e se espraiou para o ambiente coletivo nas relações de trabalho, nas igrejas, nas instituições, dentre outros locais públicos. Enfim encontramos conflitos de gênero no ambiente doméstico (privado) e no ambiente público (coletivo) porque as desigualdades estão nas relações sócio-culturais. Ultimamente a misoginia tem aflorado bastante não por que aumentou sim em razão do engajamento dos movimentos sociais ao discurso e ao protagonismo do movimento feminista que tem levado as mulheres femininas ou feministas a se juntarem, a compreenderem e a debater o assunto em busca de uma solução. A misoginia é um comportamento naturalizado pela visão de mundo masculina patriarcal e retrograda [2].····.
Para dar um basta na violência o primeiro passo é compreendê-la, depois desnaturalizar e combate-la. Moralmente há que se tratar o feminino e as feministas com muito respeito até se chegar na consciência de gênero que é o patamar da igualdade. Com o respeito se chegara à conscientização de gênero e uníssono gritará: Lugar de mulher é onde ela quiser estar!
A tradição
A visão de mundo capitalista e patriarcal é culturalmente dominante. Desde o nascimento ouvimos frases que confirmam a naturalização da divisão da sociedade em classes sociais e gêneros. O resultado é um desenho da pirâmide social já conhecido: o homem branco no topo, depois vem à mulher branca, que por sua vez esta acima do homem negro, e, na base esta a mulher negra. Essa situação se perpetua com pensamento que valoriza a rigidez da estrutura social. Pensamentos do tipo: “sempre foi assim”. “uns nascem para sofrer e outros não”.
No dia a dia repetimos frases, publicamos imagem em livros sem uma contraposição ou um contraditório.
Sem uma leitura critica do mundo, o racismo, o machismo e a misoginia decorrentes são reforçadas na cultura e na educação oficial. A divisão social em classes (ricos x medianos x pobres), a divisão sexual e racial na sociedade (com vantagem e valorização para o homem branco em detrimento dos negros) são apresentadas como provas divinas, comportamento tradicional, lei da natureza ou da vida. Tudo para convencer as pessoas da classe trabalhadora que o funcionamento da sociedade desde sempre é estático e não muda. Esta é um cortina de fumaça, uma ideologia antiga (retrograda) e machista. Ainda bem que nem todos / as se deixaram convencer.
O machismo e a misoginia são o vírus do patriarcalismo. Junto ao racismo são doenças que adoece o réu e mata a vítima. Não estamos habituados a relacionar na saúde do/a trabalhador/a as consequências do racismo e do machismo.
O comportamento de ódio às mulheres (misoginia) provoca reações negativas, físicas e mentais, e principalmente degradantes as vitimas e aos réus. Os movimentos conservadores brasileiros, na pegada dos grupos da direita internacional tem no seu principal intuito limitar as oportunidades, escamotear o direito das mulheres, obstruir a igualdade de gêneros e naturalizar o machismo[3].
O pensamento critico
Não se ouve falar muito de outro tipo de sociedade que não a sociedade capitalista. Mas existe. Acredite. No tocante ao tema em debate: as transformações das atuais relações de gênero há aqueles que pensam que a sociedade não pode ser desigual e injusta. Que não podemos naturalizar ou deixar para lá situação de racismo, misoginia, machismo, o próprio patriarcado e o racismo. São poucos os grupos ou movimentos sociais que levantam a voz e tem atitude contra a desigualdade de qualquer tipo. Estes grupos estão aumentando cada vez mais.
Este artigo esta inserido neste lado. O lado do pensamento critico a desigualdade, pois descaracteriza o papel das mulheres negras. A sociedade conservadora tradicionalmente a considera como uma serviçal ou mucama. É uma visão retrograda ou atrasada porque encara a mulher negra com os olhos da sociedade escravocrata. Nas analises e no pensamento esquecemos que o racismo e o machismo são dinâmicos e reificam o papeis e seus significado. O papel da mulher negra na sociedade era, e ainda é desabonador e evoluiu com o tempo. Antes era denominado mucama, depois, a mulata era o objeto sexual, e, agora o papel esta simbolizado nas ‘ novinhas’. Este pensamento contemporâneo é anacrônico porque preserva a desigualdade na medida em que apenas muda o nome, e, naturaliza os papeis sociais patriarcais.
O pensamento critico é um método da formação de gênero mais utilizado por que auxilia a compreensão do fenômeno social e estimula a organização da mulherada no universo feminino ou feminista.
A intersecionalidade[4].
O conceito apesar de não ser compreendido na totalidade é uma referencia na medida em que uns o utilizam para identificar a exploração de classe e se esquece da interface do gênero e raça. E outros incorporam a relação de gênero e raça e esquece a classe. Somente quando as feministas negras denunciaram a interface da raça é que o feminismo ocidental incorporou tal relação, porem as feministas negras não incorporou a classe. Faça uma pesquisa e conheça cronologicamente a historia do surgimento e desenvolvimento do feminismo. Conhecer a historia do feminismo é o segundo passo da formação de gênero.
O feminismo
O quadro do feminismo por direitos remonta aos anos finais do século XIX e começo do XX, com o movimento feminista ocidental defendendo inicialmente igualdade jurídica e sócio – política entre homens e mulheres. A primeira onda feminista, voltada para o direito ao voto e à educação, teve como protagonistas figuras como Mary Wollstonecraft e as sufragistas britânicas e norte-americanas (BEAUVOIR, 1949). Essa fase do movimento feminista, porém, desconsideraram a exploração do trabalho doméstico e as dificuldades impostas pelo racismo as mulheres negras. Nos Estados Unidos, muitas feministas não apoiaram a abolição da escravidão ou a cidadania plena para mulheres negras, consolidando um feminismo excludente e eurocêntrico (DAVIS, 1981).
No Brasil, América Latina e África o contexto da exploração e opressão das mulheres negras e indígenas foi interpenetrado com vieses do colonialismo, imperialismo, racismo e sexísmo. O resultado foi um movimento social que se preocupou apenas com emancipação mulheres trabalhadoras sem especificar a identidade racial e de gênero.
Paralelamente, emergia o feminismo socialista, mais vinculado às lutas operárias e à crítica ao capitalismo. Lideranças como Clara Zetkin, Rosa Luxemburgo e Alexandra Kollontai, articularam a luta feminista com a questão de classe, propondo uma emancipação das mulheres trabalhadoras (ZETKIN, 1920). Esta leitura de mundo propiciou uma olhar distinto para cada luta.
A novidade do feminismo
A partir da década de 1970, com a chamada terceira onda do feminismo, a interseccionalidade se tornou um conceito central, evidenciando como o gênero, a classe e a raça se entrecruzam na opressão das mulheres negras. Foi nesse período que liderança como Ângela Davis, bell hooks e Patricia Hill Collins questionaram a ausência da perspectiva racial no feminismo e reivindicaram um feminismo negro autônomo, que articulasse a luta contra o racismo e o capitalismo.
No Brasil, intelectuais como Lélia Gonzalez (MNU) Beatriz Nascimento (intelectual) e Sueli Carneiro (Coordenadora do Instituto da Mulher Negra: Geledes) e o ativismo de Alzira Rufino, Sonia Leite, Magali Mendes, Edna Roland, Matilde Ribeiro, Luiza Bairros dentre outras mulheres foram pioneiras na elaboração de um feminismo negro que denunciou as desigualdades históricas impostas às mulheres negras. As intelectuais demonstraram que a exclusão das mulheres negras dos espaços feministas não era acidental, mas sim a continuidade do racismo estrutural que a marginalizava. Que o feminismo liberal, compreendeu a emancipação da mulher operaria apenas como acesso ao mercado de trabalho e a educação sem considerar as diferenças de classe e raça.
Ao longo do século XX surgiram novos grupos populares denunciando a falta de condição social e o apagamento da presença de mulheres negras em diferentes momentos históricos: Mae Menininha do Gantois (BA), Tia Ciata (RJ), Maria Felipa (BA), Chiquinha Gonzaga (RJ), Antonieta de Barros (SC), Laudelina Campos Melo (SP) dentre outras.
As politicas públicas
No campo da formulação de políticas governamentais para mulheres negras a atuação de Thereza Santos (SP) e Sueli Carneiro (DF) esta registrada na historia e demonstrou a exclusão das mulheres negras dos espaços institucionais de discussão de políticas de gênero. A luta foi o estopim para a criação do Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo (1983) e o Conselho nacional da condição Feminina (DF) que não contava com representantes negras. Somente após uma denúncia e disputa interna foi possível a inclusão de nomes como Thereza Santos e Vera Lúcia Saraiva, demonstrando o protagonismo da mulher negra através da estratégia de pressão política.
A participação da mulherada nos Encontros Nacionais e Internacionais de Mulheres Negras estimulou a mobilização das mulheres negras nas décadas de 1980 e 1990 e fortaleceu a construção de um feminismo negro de caráter internacional que não apenas reivindicava a participação das mulheres negras nas organizações feministas, como desenvolveu espaços autônomos de luta a exemplo da Marcha Zumbi dos Palmares (1995), a Conferência de Beijing (1985) e a definição do dia 25 de julho como dia da mulher Afro Latino e Caribenho e recentemente a 1 a. Marcha das mulheres negras (2005).
A luta que queremos e botamos fé
No caso das mulheres negras brasileiras a dimensão da luta em que botamos fé e acreditamos:
- Solidariedade e ou sororidade entre mulheres. Ver relatórios dos encontros de mulheres negras realizados em 1988, 1999 e 2000.
- Ter um olhar para as mulheres trabalhadores/as e as mulheres das periferias
- Fortalecer o processo pedagógico ou educacional de gênero e raça dos setores dos trabalhadores.
- Estimular a compreensão da intersecionalidade e o feminismo negro na diáspora.
- Abordar o assunto da opressão das mulheres negras nas principais datas e ou agendas de luta social engajada na superação da exploração e opressão. Mobiliar a mulherada nas atividades, movimentação e ou eventos do dia da mulher (08 de março), dia da mulher negra (25 de julho) e dia da mulher africana (31 de julho).
- Em cada uma das agendas definir objetivo e estratégia ate a superação do conflito de gênero.
- Estimular o protagonismo feminino e feminista e a compreensão do estagio atual da dominação e avançar para além da estratégia da vitimização.
- Compreender que o protagonismo é um principio de luta das relações raciais incorporado no feminismo negro.
- Abandonar o pensamento anacrônico e compreender que a ancestralidade negra esta contida na máxima “Nosso passos vem de longe”
- Construir espaços de igualdade de gênero na luta antirracista.
A solidariedade racial
As organizações mistas com participação de homens e mulheres enfrentam desafios porque atuam com contradições e para superação das desigualdades raciais, classe e gênero. A luta das mulheres não começou no período atual e não se fortalecerá apenas com as mulheres.
Os próximos ou terceiros passos são fundamentais: fortalecer o debate de gênero entre os trabalhadores/ as, entre os negros e negra, brancos e brancas para tornar publico o conflito de gênero. Assim mobilizar a mulherada a partir de conflitos reais ate atingir o ponto de modificar a politica publica. Atualmente a mudança nas politicas publica deixam a desejar e ocorrem na aparência e pouco na totalidade. E as dificuldades são jogadas nas costas da contradição e se esquece do proposito inicial.
A luta das mulheres negras no Brasil não pode ser dissociada das lutas feministas ocidentais, mas também não pode ser subsumida a elas. Como enfatiza Lélia Gonzalez (1935- 1994), o feminismo negro precisa ser uma prática cotidiana de resistência, indo além das discussões teóricas e garantindo transformações reais na vida das mulheres negras.
Dessa forma, a trajetória da luta das mulheres negras enfrentara as contradições sociais, principalmente aquelas ligadas a interseccionaliade. Se, por um lado, as conquistas feministas abriram espaço para o debate sobre gênero entre as mulheres negras femininas, por outro lado, para as mulheres negras feministas muitas de vitórias são insuficientes para mulheres negras porque, além de sexísmo, enfrentam o racismo estrutural e a desigualdade econômica. As conquistas antirracistas apesar de contemplar as mulheres negras, deixam a desejar quantos às relações de gênero.
As recomendações sociológicas de Lélia Gonzalez alertavam para: a solidariedade racial dos irmãos negros e das irmãs brancas. Esta ultima, isoladamente, não é suficiente para atender as necessidades da mulherada negra, principalmente se ocorrer sem critica e falta de percepção dos interesses subjacentes. Solidariedade racial para Lélia é um processo de aliança com mulheres brancas e/ou homens negros que rompem com o sexismo e o racismo.
Soweto Organização Negra esta trilhando o caminho da superação dos conflitos de gênero:
- Estimula a reflexão de gênero entre homens e mulheres negras.
- Publiciza o conflito e amadurece a solução social do conflito.
- Acredita nas mudanças da sociedade a fim de romper com a cultura do machismo, do racismo e do elitismo através da educação. Proclama que a educação dos trabalhadores é fundamental.
Em suas ações vê-se que tem explicitado e combatido o machismo, a pobreza e o racismo na vida cotidiana e nas periferias das metrópoles. Sabe que a desigualdade é estrutural no capitalismo e que somente com sua derrocada haverá brecha para outro modo de vida mais justo, capaz de promover a igualdade e a inclusão. Atualmente o que mais se ouve falar é de relações tóxicas permeadas de afeto e violência que esconde o lado machista utilizando o afeto como argumentação para aliviar ou minimizar a misoginia de qualquer tipo (explicita ou enrustida).
Mulherada negra não tolere relacionamentos abusivos!
Para sua segurança ligue para as instituições brasileiras, governamentais ou não, e peça ajuda! Veja https://www.mapadoacolhimento.org/servicos-publicos/
Não alimente comentários, piadas machistas, racistas e homofóbicas!
Referências Bibliográficas
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. São Paulo: Nova Fronteira, 1949.
BRAUNS, & SANTOS. G & OLIVEIRA. J. A (Orgs.). Movimento Negro Unificado; a resistência nas ruas, SP, edições SESC/ FPABRAMO, 2020
CARNEIRO, Sueli; SANTOS, Thereza; COSTA. Albertina Gordo de Oliveira. Mulher negra: política governamental e a mulher/década da mulher. São Paulo: Nobel; Conselho Estadual da Condição Feminina. 1985. 141.p. Livrotab.
COLLINS, Patrícia Hill. Black Feminist Thought: Knowledge, Consciousness, and the Politics of Empowerment. New York: Routledge, 2002.
CRENSHAW, Kimberlé. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics. The University of Chicago Legal Forum, 1989.
DAVIS, Ângela. Mulheres, Raça e Classe. São Paulo: Boitempo, 1981.
GONZALEZ, Lélia. Por um Feminismo Afro-Latino-Americano. Rio de Janeiro: Zahar, 1988
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HOOKS, bell. Feminism is for Everybody: Passionate Politics. Cambridge: South End Press, 2000.
NASCIMENTO, Beatriz. Questão Negra e Quilombos Contemporâneos. Rio de Janeiro: Fundação Palmares, 1998.
NEPOMUCENO, Bebel. Mulheres negras: protagonismo ignorado. Nova história das mulheres no Brasil. Org. Carla Bassanezi Pinsk e Joana Maria Pedro. – 1. Ed.,1ª impressão. São Paulo: Contexto, 2013.
SAFFIOTI, Heleieth. A Mulher na Sociedade de Classes. São Paulo: Expressão Popular, 2004.
ZETKIN, Clara. Women’s Work and the Organization of the Proletariat. London: Red 1Women’s Workshop, 1920.
(*) as autoras são historiadoras e representam uma interação etária, de classe, gênero e raça.
[1] Nota das autoras. O patriarcalismo é um sistema social que garante a supremacia dos valores masculinos e a subordinação da mulherada. Caracteriza a hierarquia de gênero que define rigidamente papeis masculinos e femininos através da violência, da sexualizaçao dos corpos e beleza feminina e europeia , vitimiza a mulher e embrutece os homens. O sistema patriarcal semeia a cultura da misoginia. Recomendam-se as leituras de Bell hook , Ângela DAVIS e Patrícia Hill COLLINS (Norte americanas); Chimamanda Ngozi (Africana da NIGERIA), Heleieth SAFFIOTI( Brasil- SP ) Lélia GONZALEZ ,(RJ) dentre outras.
[2] Para as autoras há uma distancia em relação à compreensão e dedicação das mulheres ditas femininas e feministas. Parece-nos que a separação esta posta na é dimensão no envolvimento exclusivo a questões especificas da mulherada ( ativismo do feminismo) . Enquanto as mulheres ditas femininas se envolvem em questões especificas e rechaçam o machismo, porem não rechaça cultura patriarcal do capitalismo. na totalidade Parece-nos que estão aprendendo com as teorias feministas. No Brasil, o mulherio feministas, nos parece, já decidiu e definiu que o seu campo de ativismo são as relações de gênero. Algumas mulheres negras brasileiras estão no processo de rechaçar o feminismo ocidental na medida em que não incorporou as mulheres negras e indígenas. No geral as mulheres negras estão se definindo entre feminismos negro, africanismo de gênero, ou mulherismo afro dentre outros conceitos adequados à situação da mulherada negra em cada organização.
[3] Nota das autoras. Faca uma pesquisa e defina o conceito a partir das leituras; Bell HOOKS, Ângela DAVIS e Patrícia HILL COLLINS (Norte americanas); Chimamanda NGOZI (Africana da NIGERIA), Heleieth SAFFIOTI( Brasil- SP ) , Lélia GONZALEZ (RJ), A deputada federal ( SP) ERIKA HILTON, e as experiências das mulheres trans.
[4] Nota das autoras. O conceito traduz a dominação de classe, gênero ou raça. O conceito da interseccionalidade surgiu nos EUA, é um pensamento critico da hierarquia de gênero que afirma que as três principais identidades de classe, gênero e raça, pode se interpenetrar e constituir uma complexa teia de discriminação,. A tríplice discriminação da mulher negra foi identificada socialmente a partir deste conceito. As principais teóricas do conceito: ANGELA DAVIS, BELL HOOKS E PATRICIA HILL COLLINS, Lélia GONZALES, Sueli Carneiro , Luiza Bairros e Nilma Lino Gomes e as historia de vida de Sonia Leite, Sandra M. Mariano, Matilde Ribeiro, Dandara Aziz e katiusca, Erica Histon, dentre outras trajetórias.